Se minha avó ainda fosse viva, certamente falaria que a Netflix “não dá ponto sem nó”. Desde que mudou o modelo de negócios para focar mais produções originais do que conteúdos já consagrados, a plataforma vem se mostrando um dos grandes destaques mundiais na análise de dados. Então, ela sabe o que você assiste, quando você assiste e o que patrocinar para que você assista ainda mais.
Eis que a franquia Casamento às Cegas chegou em 2020 (Pandemia, ano 1) e dominou tanto o streaming quanto as redes sociais. Em todo o nosso planeta, milhões de pessoas (30 milhões delas, somente nos primeiros 2 meses) pararam para ver desconhecidos tentando encontrar o amor sem saber o rosto de seus pretendentes. A fórmula funcionou e foi reproduzida. Com isso, vieram Casamento às Cegas Brasil, Casamento às Cegas Japão e a 2ª temporada norte-americana.
Tudo muito bom, tudo muito bem se não fosse o fato de a crítica especializada (também conhecida como “a galera do Twitter”) ter-se indignado com a “falta de qualidade romântica” dos novos casais. Mas esse é um assunto para outros sites discutirem, pois o que queremos abordar aqui é que essa falta de engajamento em relação à história nos revelou uma protagonista inesperada: as taças douradas que aparecem em todo (e qualquer) encontro.
É product placement?
Quem é de marketing ou conteúdo sabe: se está na tela geralmente é porque pagou! Ainda mais quando isso acontece de uma maneira tão reincidente que passa a não ser mais tão natural. Fazendo uma rápida pesquisa no Google Trends, vemos que, nos Estados Unidos, o volume de busca por “golden cups” está em seu ponto mais alto. Seria um indício de sucesso da campanha!
Isso se ela fosse uma campanha. Nessa semana, Chris Coelen (o criador da série) revelou à Variety: “É apenas algo que eu gosto!”. Em outras palavras: nada de product placement! Nenhuma marca cedeu um único centavo para que aqueles cálices todos fossem usados nas gravações. Na verdade, isso custou dinheiro à produção.
Mas se não é branded, por que está em uma coluna de branded?
Pode ser que algumas pessoas pensem que não faz o mínimo sentido trazer um conteúdo de branded content que não fale sobre branded content — e pode ser até que digam, assim como a Netflix fez com os copos, que nesse artigo estamos fazendo uma exposição gratuita da Netflix e da série. Mas hoje a análise é sobre o mensageiro, não sobre a mensagem.
Quando falamos sobre conteúdo para marcas, é muito natural pensarmos que a marca deve ser sempre evidenciada e colocada em um pedestal. Porém, a verdade é que várias campanhas de conteúdo podem ser muito mais amenas do que os famosos “Conheça 5 razões para”. Um dos exemplos de branded content que mais gostamos é o do Chaves em Acapulco (falei sobre isso aqui), porque ele gera uma discussão sobre algo indireto.
Ainda que a escolha dos cálices dourados tenha sido completamente estética, ela gerou “Buzz”. O Mashable chegou a considerá-las como as “reais estrelas do show”. O Twitter dos Estados Unidos também foi palco para bastante discussão desde a estreia da segunda temporada.
É claro que ninguém fala sobre eles sem dizer qual é a origem da discussão, ou seja, Casamento às Cegas (Love is Blind) se torna um foco também. Se o criador da série tivesse dito que isso foi intencional, estaríamos discutindo a sagacidade dele aqui agora.
Fica a lição para todo mundo da comunicação e do marketing: às vezes, a criação de discussões está em escolhas mais simples (nesse caso, a escolha de algo original e pouco usual) do que nas superproduções. Também é sempre válido relembrar: quanto menos interrupções, melhor.